quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A última carta


               Quem é que pode lidar com a morte? Ninguém nunca estará pronto pra ver alguém querido encerrar sua vida. Ela é devastadora. Quem fica, torna-se refém de uma dor que rasga o peito, que martiriza, que sufoca a alma.
                      Recentemente, descobri que uma antiga vizinha de infância faleceu. Ela era jovem, chamava-se Ana Carolina. Lembro-me bem pouco dela. As lembranças que permeiam minha mente é de uma menina constantemente alegre. Uma palavra que a define para mim é: Encantadora. Ana faleceu aos 24 anos após ter sofrido um terrível acidente de carro, em Sorocaba-SP, no fim do ano passado.
                      Nunca vamos entender certas coisas que acontecem nesse mundo. Mesmo que estudemos anos para isso. Deus a recolheu e ponto final. Literalmente, ponto final. Acabou. Juro que não entendo a morte e, sinceramente, nunca estarei pronta para ela.
                  Quem é que está preparando para ouvir que um filho foi embora para sempre, que sua vida acabou? Ninguém! Imagina, quando eu soube do acidente, mesmo com pouca intimidade, sofri. Aliás, sempre sofro quando recebo alguma noticia de morte, pode ser de qualquer pessoa, pode ser até mesmo de um estranho! Eu sofro porque a morte interrompe sonhos, planos, felicidades, relacionamentos, missões e não acho justo.
                 Infelizmente, a história de Ana não poderá ser contada por ela mesma, porque ela se foi. Em uma “última” carta para a filha, sua mãe escreveu seus mais profundos sentimentos. Impossível transcrevê-los, publico, na íntegra, a carta que Marcia escreveu.
                Emocione-se comigo.

 “Anteriormente numa busca comedida e esperançosa que no final transformou-se em angustia até o encontro definitivo com essa palavra terrível – óbito. Não poderiam dizer apenas FIM?
Por alguns segundos senti-me num vácuo, não vi nada, não escutei nada, apenas ecoava dentro de mim a desesperadora sensação de “nunca mais?” Nunca mais? Acabou? Não vou ter mais minha filha ao meu lado?
 Minha mente tentava assimilar e então veio o desespero. Preciso sentir a minha filha, tocá-la, beijá-la, senti-la próxima a mim. Parecia que ela também precisava de mim. Coisa de mãe, eu acho. Pobre de mim, com certeza ela já estava nos braços do Senhor.
Deus quis enfeitar o céu com a flor mais bela do meu jardim. E eu? Beijei seu rosto e a entreguei.
Acho que de coração aberto, nem sei dizer. Mas aceitei.
Não sei por quê, mas EU ACEITEI.
Talvez porque, ao retroceder até o nascimento da minha princesa, lembro-me da Dra. Avany me explicando que enquanto faziam a incisão para tirá-la do meu ventre a danadinha pulou e “rasgou” alguns centímetros da minha pele. Ela veio ao mundo para VIVER e dar mais alegria às nossas vidas.
Sempre com muita VIDA. Sempre muito preocupada com todos. Ainda muito pequena gostava de ficar na casa dos avós e antes de dormir, telefonava pra recomendar que eu fechasse bem as portas. “Mãe, você fechou o cadeado do portãozinho? Não se esqueça de fechar a porta da sala com a chave porque o papai está viajando”.
E a tia PITITA (Patricia). Era o amor da sua vida, talvez a filha que minha irmã nunca teve. Sentia-se uma boneca com a tia. Ah, como essas duas se divertiam juntas.
Falava pelos cotovelos e mesmo quando ainda não sabia pronunciar as palavras dizia: “Mãe Maicha, mãe Maicha, to fopis” (mãe Marcia, mãe Márcia, vamos ao shopping) e quando chegávamos dizia: “Vivaaaa iupiiiii Chico Bento e a Natuezaaaaa” (era a sua demonstração de alegria ao chegarmos no shopping).
Tinha um cuidado com o irmão, que ela carinhosamente apelidou de Du, já na adolescência. Chegava ao extremo de chamá-lo de FILHO quando ele era bebê. Quando ainda pequena, cuidava dele em todo momento (a diferença de idade era de 1 ano e 8 meses). Ainda aos 4 aninhos vivia atrás dele e dizia: “Filho, cuidado com isso... Mãe, o filho fez isso ou aquilo...”. E agora, já adulta, chamava-o de bebê.
Na escola todos a amavam desde pequena. Tinha o gênio forte e sempre foi decidida, mas singela e amorosa. Esses eram os traços mais fortes de sua personalidade.
Tudo tinha que estar sob controle. Organização era seu lema, tudo anotado na agenda. Ai de mim quando queria mudar seu roteiro. Hmmmm... “Não mãe, eu já tenho tudo anotado! Primeiro vou fazer isso, depois aquilo e depois aquele outro”. Com exceção do quarto - que ela se permitia deixar bagunçado. E tinha outro jeito? Tirava quase todas as roupas do armário até decidir com qual sairia naquele dia. “E tire uma peça do lugar”, ela saberia se alguém passasse por lá.
Trocávamos roupas, usávamos uma da outra quando me servia, é claro. Ela sempre me achava “linda”. Usávamos roupas, sapatos, enfim, tudo o que podíamos usar uma da outra.
Orgulhava-se quando alguém dizia que éramos parecidas. Quem dera.
Sempre determinada, formou-se Tecnóloga em Logística e Transporte, mas queria mais. “Quero ser Engenheira”, dizia. Começou a cursar Engenharia, que pagava com o próprio salário, pois já estava trabalhando e queria “andar com as próprias pernas”.
O trabalho era outra realização, embora tão pouco tempo tenha trabalhado (5 anos). Acredito que tenha feito muito por sua empresa. Viajou para a Alemanha (sozinha) e foi ao Uruguai (com o chefe), com um orgulho que só vendo em seus olhos.
Conheço muitos de seus amigos de trabalho, apenas pelo nome, de tanto que ela falava dessas pessoas com carinho e do carinho que tinham para com ela.
Queria casar e ter filhos, vários, segundo ela. Amava crianças. Deixou de ir a um churrasco com seus amigos, para ir conosco ao aniversário de 2 aninhos da “Alicia Delicia”, como ela carinhosamente a chamava. Divertia-se quando ficávamos imaginando como seriam nossos netos (seus filhos).
...
Sinto um grande vazio. Mas o que me da ânimo é saber que a minha princesa foi embora no auge de sua felicidade.
Estava realizada no trabalho, sentia-se orgulhosa da sua empresa, principalmente por ser reconhecida por sua dedicação e competência.
Ana, Ana Carolina, Aninha, Carol, TCHUQUINHA (chamada pelo irmão), princesa, anjo, minha flor. Saiu de dentro do meu ventre pra viver intensamente. Distribuiu amor por onde passou, carinho, alegria, muita alegria. Seu sorriso iluminou o seu e o nosso caminho.
Se Deus quis te levar, o que eu posso fazer senão aceitar com resignação e alegria por ter me dado o privilégio de ter em meu ventre um anjo... Além de ter deixado este anjo por 24 anos transformando as nossas vidas.
Tenho certeza que as sementes que ela deixou aqui nos corações férteis vão brotar e dar bons frutos.
Eu, seu pai e seu irmão (bebê) te amamos muito, filha. Somos muito, muito, muito orgulhosos de você. Descanse em paz nos braços do Senhor, onde um dia nos encontraremos novamente.
Compartilhamos nossos sentimentos neste momento porque somos gratos a todos os amigos, tanto os que moram ao nosso lado e vemos todos os dias, quanto aqueles que vieram de outro estado, imediatamente que souberam da nossa dor. Pessoas que quase não vemos mas temos em nosso coração.
Deus os abençoe pelo carinho.”

Mãe Marcia.


Por Jhenifer Costa 

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