Quando criança, fazemos uma série de coisas irracionais, tipo: comer areia, pular do segundo andar achando que é possível voar, fugir de casa, tomar antibiótico direto do vidro, só por causa do sabor docinho. Além de passar gilete na sobrancelha, cortar o próprio cabelo, especificamente a franja, sendo esta a parte mais difícil de esconder. Tem muita coisa, não dá para cogitar a possibilidade de listá-las.
Digamos que eu tenha sido uma
criança um pouco pior que as outras e tenha feito coisas piores que as
descritas acima. Minha mãe sempre me fala isso e eu acredito piamente. Assim,
algumas coisas eu lembro bem, outra nem tanto. Mas as traquinagens que eu fazia
eram de dar medo. Tipo, têm crianças sapecas, que gostam de chamar atenção, até
aí, beleza. Mas eu? Amigo, não era brincadeira! Minha mente era capaz de
arquitetar planos maléficos impossíveis de acreditar que eu havia pensando
sozinha.
Vou contar uma historinha para vocês.
Quando eu tinha uns cinco anos e estava na pré-escola (minha mãe me colocou na
pré-escola muito cedo porque ela não me aguentava), tinha uma professora que
dava aula usando um batom rosa com glitter que eu achava lindo. Era a coisa
mais maravilhosa que eu já tinha visto na vida. Incrível, era o rosa mais rosa
do mundo. Então, para minha alegria
descobri que ela guardava esse batom na gaveta da mesa dela, na sala de aula.
Um dia ela abriu a gaveta perto de mim e foi a primeira coisa que eu enxerguei.
Respirei fundo e quase tive um troço. Precisava usá-lo!
Todos os dias, antes de entrar na
sala de aula, os alunos faziam uma fila para cantar o hino nacional e depois
alguma música retardada de criança que eu não lembro a letra, graças a Deus.
Então, no dia seguinte, na fila, fiz o infeliz comentário quando a vi: “Nossa ‘pro’, acredita que eu tenho um batom
igualzinho o seu?”. Que mentira absurda! (estou envergonhada neste momento)
Não lembro bem o que ela disse, mas deve ter sido “que bom pra você”, ou algo do tipo, mas eu me lembro bem da cara de
preocupada que ela fez.
Pronto, agora sim eu tinha carta
branca para cometer o crime. No mesmo dia, fomos à “Hora da brincadeira” (Breve
explicação: a “Hora da Brincadeira” era o momento em que as crianças saiam para
brincar na areia e no parquinho. Uns 40 minutos que eu aproveitava para me
enfiar completamente na areia e ficar lá até acabar o tempo. Quando saia do
tanque, tinha areia em todos os lugares possíveis do meu corpo. Acho que não
tem um nome para essa brincadeira, mas eu chamava de minhoca). Nesse dia eu
resolvi que iria passar o batom enquanto todos estivessem distraídos no
parquinho, inclusive a professora. E foi isso que fiz. Sai de fininho, como
quem não quer nada. Entrei na sala, que estava fechada, abri a gaveta com muito
cuidado e comecei a procurar o batom. A gaveta era grande e funda, devia ter
uns 40x40 cm, mais uns 20 cm de profundidade. Dentro, havia várias outras
coisas legais, umas borrachas coloridas, lápis de cor, espelho, uns bilhetinhos
que os alunos davam para a professora e eu acabei me distraindo e gastei uns
minutos preciosos com a minha curiosidade. Por fim, achei o bendito. Abri e
passei rapidinho, fechei e quando fui colocar de volta na gaveta, exatamente no
mesmo lugar onde tinha encontrado, alguém abriu a porta e gritou: “Vou contar pra ‘pro’ que você está com o
batom dela!”
Juro, meu coração parou por uns
segundos. Instintivamente passei a mão na boca e comecei a esfregá-la para
tirar o batom. Peguei minha camiseta, do lado de dentro, e passei na boca para
ajudar a limpar. Coloquei o batom na gaveta tremendo e entrei em pânico. Não
porque eu tinha pegado o batom e passado, certamente eu não ia roubá-lo, só
queria passá-lo e pronto. O medo tomou conta do meu ser porque a pessoinha que
viu tinha o poder de acabar com a minha vida naquele momento. O nome dela é
Samantha. Na época ela era gordinha, mais que eu quando criança. Confortava-me
em saber que alguém na minha sala era mais gorda que eu. O problema é que eu
infernizava a vida da menina, tinha colocado vários apelidos nela, os mais
escrotos do mundo, já tinha cortado as alças da mochila dela e, inclusive, já
tinha dado um soco no olho dela. Então, imagine o meu desespero.
Não deu tempo de pegá-la no
caminho e fazer uma chantagem. A menina foi correndo igual um meteoro, direto
na professora. Meu plano era negar tudo, negar até morrer. Passei direto por
elas, que estavam falando sobre mim, e fui para o tanque de areia. Foi pisar na
beira e a professora me chamar: “Jhenifer,
venha aqui, por favor!”. Resumindo a história, acabei confessando o feito e
fui advertida pela professora, que mais tarde comunicou minha mãe. Em casa a
coisa ficou feia e não vou me ater aos detalhes...
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