domingo, 26 de outubro de 2014

Sem esperança não dá

Por Jhenifer Costa

Hoje, vou contar a história de Valdemir.

Provavelmente, se você passar por ele na rua não sentirá diferença alguma na sua vida. É o que ele mesmo disse. Talvez, ele não faça diferença na vida de ninguém, pois todos os dias milhares de pessoas passam por Valdemir e nenhuma sequer presta atenção nele. Valdemir é um sem-teto, ao contrário de você. Imagino que você deve estar sentado num lugar confortável enquanto lê esse texto, assim como eu, enquanto digitava. A maioria de nós, na verdade, nunca esteve numa posição tão ruim como a dele. Não sabemos o que é estar num lugar horrível, cercado de pessoas que nos ignoram e nos desprezam. Ao relembrar os detalhes da história dele, tento, mesmo que de maneira bem superficial, colocar-me em seu lugar.

Acreditem, senti na voz dele que tudo o que falava era muito verdadeiro e duro. Para Valdemir, morar nas ruas foi a única solução para resolver os seus problemas. Ele tinha casa, família, uma cama quentinha e até um cachorro. Tudo era perfeito. Ele trabalhava e quando chegava em casa era recebido por sua esposa, que o esperava com um sorriso no rosto todos os dias. Porém, um dia as coisas começaram a ficar meio desajustadas.  Ele perdeu seu único filho, de 22 anos, e seu casamento, de 23. Infelizmente, o homem ainda acha que para resolver os seus problemas, uma boa dose de álcool pode ajudar, mas as coisas só pioram. Valdemir perdeu tudo! O álcool se responsabilizou por ajudá-lo. Na verdade, a culpa não era só do álcool, tem muitas outras coisas em questão, por exemplo, as circunstâncias que o levaram ao alcoolismo. Ele entrou numa depressão profunda. Sua saída foi a bebida e, posteriormente, o crack.

Quando ouvi a história de Valdemir já fazia três anos que ele estava vagando pelas ruas de Mogi Guaçu – cidade onde nasceu. Durante esses anos como “mendigo”, ele era espancado frequentemente por policiais e jovens delinquentes que passavam por ele. “Eu apanho de ‘todo mundo’, mas não faço nada a ninguém. Eu não falo com ninguém!”, dasabafa. Sabe, enquanto ouvia isso, fiquei muito chocada com a crueldade que existe nas pessoas. Como alguém pode praticar tamanha brutalidade com um ser tão indefeso? Em boa parte do tempo Valdemir estava ou está sob efeito do álcool, trocando os pés pelas mãos. As pessoas batem por nada, xingam por nada. Quanta crueldade no homem.

Valdemir tem parentes, familiares, mas ninguém consegue conviver com ele e o seu vício. Ele contou que não consegue ficar muito tempo sem cachaça, pinga ou qualquer tipo de bebida. Durante a madrugada, quando fica sóbrio, começa a tremer, sentindo a abstinência. Seu corpo dói e ele passa muito mal. Ele não tem forças para ficar sem álcool no sangue. Frustrou-se em todas as tentativas de se abster das bebidas. Reconhece que não pode obrigar seus familiares a suportá-lo, mesmo que isso implique morar nas ruas. Até porque, pelo que entendi, seus parentes também não o querem por perto. Então, com esse argumento, justifica o fato de ser um andarilho.

Entretanto, morar nas ruas, ser espancado por nada, não ter amigos ou familiares a quem recorrer, não é pior que sobreviver três anos com fome. E eu me pergunto: como podemos viver sem comida?! Simplesmente não dá! Não dá para viver três anos do lixo, de restos, do nada. Eu chorei. Porque não tem como imaginar uma vida assim. A maior alegria dele é quando alguém o presenteia com uma refeição quentinha. Eu aqui achando que a maior alegria da minha vida seria poder viajar o mundo, conhecer lugares incríveis, enquanto Valdemir daria tudo por um prato de comida.

Quanta diferença fez na minha vida ouvir Valdemir contar sua história.  

Enquanto isso, eu tentava compreender porque ele falava tanto do futuro e fazia tanto planos. Porque ele tinha tanta ESPERANÇA. Finalmente entendi e eu te pergunto: como podemos viver sem esperança?! Simplesmente não dá pra viver sem esperança. Não tem como. Eu posso viver sem amigos, sem comida, sem teto, sem cobertor no frio, sem qualquer elemento que me torne uma pessoa normal, mas eu não posso viver sem esperança. Independentemente de tudo, Valdemir dizia: “Eu espero por uma oportunidade. Sei que alguém vai me ajudar”, “vou sair das ruas”, “vou me recuperar”, “vai dar tudo certo”. Ao mesmo tempo que as pessoas podem ser cruéis, podem ser muito boas.

Pensava que eu tinha grandes lições para ele, imagina. Valdemir me deu uma aula sobre a vida. No fim de tudo, mesmo quando parecer que não existe mais fundo de poço algum para chegar, sempre existirá esperança de melhora, de mudança. Pode ser que ele nunca chegue, de fato, a mudar. Porque eu não sei o fim dessa história. Eu nunca mais ouvi falar dele. Não sei se ele está vivo, bem, são. Mas de uma coisa eu tenho certeza: ele tinha esperança suficiente para dar a volta por cima!

Precisamos acreditar que tudo pode melhorar.  Precisamos confiar mais em Deus. Parar de achar que não tem mais solução. Sempre digo: “Vai dar tudo certo!”. Antes de conhecer Valdemir já dizia com absoluta certeza, agora, com mais força ainda. Sabe, Valdemir passou por tanta coisa ruim, sofreu tanto, mas estava ali, bem, firme, com o propósito de melhora. Acima de tudo, o andarilho, alcoólatra e drogado, Valdemir Usay, tinha esperança em si mesmo. Quem sabe.

E de repente já é Natal, Ano Novo, 2020...
E você ainda estará aí, tentando mudar a sua vida. Mas quem é que sabe se mudanças acontecerão?! Não tem como saber se você não tentar. Hoje, aliás. 

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